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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Entrevistas

          Nesta edição, o Boletim DeLetras entrevistou também o professor Clézio Roberto Gonçalves. O professor é, dentre outras coisas, Doutor em Linguística (Área de concentração: Semiótica e Linguística Geral) pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio de Doutorado Sanduíche em Linguística na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (UP - Portugal, Bolsa da CAPES); Mestre em Letras (área de concentração: Linguística) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); licenciado em Letras (língua portuguesa) e bacharel em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Ouro Preto (ICHS/UFOP); Revisor de Língua Portuguesa do BNI - ENADE; Pesquisador cadastrado no CNPq como membro do Projeto do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), pela UFBA, como membro fundador do Grupo de Pesquisas em Dialetologia e Geolinguística da FFLCH/USP, como líder do Grupo de Pesquisa em Dialetologia e Sociogeolinguística (GPDS-UFOP), como líder do Grupo de Estudos sobre linguagens, culturas e identidades (GELCI-UFOP).



BoletimDeLetras: Você disse em sala de aula que tem uma preferência pela sintaxe. Quais são as suas motivações pela sua preferência?
Prof. Clézio: As motivações iniciais se deram na minha formação já mesmo no 2º grau. Como eu estudei em colégio interno, eu tinha aula de manhã, tarde e noite. Eu fiz, na verdade, o 2º grau em apenas dois anos, o que não era comum na época. Mais do eu isso, as aulas de língua português, na medida do possível, compreendendo-se o contexto daquela época, eram muito bem dadas. E a minha base se dá lá no 1º e 2º grau, pelo fato de ter estudado em escola particular, sobretudo, pelo fato de ser colégio interno e mais do que isso, vindo depois fazer o curso de Letras. No bacharelado em estudos lingüísticos, a minha monografia já era na área de Sintaxe, inicialmente. Atualmente, a minha ex-orientadora é professora da casa, nós somos colegas, a professora Mônica Alckmin e o objeto de pesquisa na minha monografia de graduação foi um estudo sobre a atividade verbal. Na ocasião, eu já era professor da rede pública e municipal da cidade de Mariana (MG). Então, as motivações para o estudo de sintaxe e, sobretudo transitividade verbal muito se deu, tendo em vista meu contato já a partir do 2º período do curso de Letras como professor efetivo no quadro da rede municipal de Mariana. E as inquietações em sala de aula, como os meus alunos na ocasião 1º grau, me motivaram para um estudo da sintaxe, já na minha primeira monografia de graduação. E, mais especificamente depois da monografia de graduação, eu fui fazer meu mestrado e que também não foi diferente. A área era sintaxe funcional e o objeto de estudo era o objeto incorporado. Foi desenvolvido na UFMG sob a orientação da professora Maria Elizabeth Fonseca Saraiva. Então foram os meus primeiros estudos funcionalistas considerando-se um trabalho de pesquisa já institucionalizado tendo em vista a escrita da minha dissertação de mestrado. E só depois, no doutorado, é que fui desenvolver numa outra área, não especificamente na área da sintaxe, mas mesmo assim em todo o meu percurso enquanto professor de graduação, especificamente no curso de Letras da PUC-MINAS em Belo Horizonte, eu tive a oportunidade de desenvolver pesquisas institucionalizadas, tendo em vista projetos de Iniciação Científica com os meus alunos da graduação. E como sempre, tendo em vista os meus interesses, eu sempre canalizei para um objetivo que levasse em consideração a sintaxe. Tanto é que na atual circunstância, eu sou orientador de uma aluna, a Maria de Fátima Lisboa, que vem desenvolvendo um estudo monográfico, considerando-se o curso dela de Bacharelado em Estudos Linguísticos aqui da UFOP. O objetivo da pesquisa é sobre adjunto adverbial, mas uma vez na área de sintaxe. E, atualmente, eu sou professor de sintaxe I no curso de Letras aqui da UFOP. Embora, eu tenha sido professor substituto aqui na “casa” e ministrei essa disciplina por dois períodos consecutivos.



BoletimDeLetras: Fale sobre a pesquisa do pronome VOCÊ.
Prof. Clézio: Eu vou tentar resumir porque eu poderia falar muito, até porque é uma pesquisa iniciada em 2000 e eu ainda continuo.

Primeiro: no ano de 2000, eu fui contratado pela PUC-MINAS para ser professor de iniciação a pesquisa e, responsável pela organização dos trabalhos monográficos do curso de Comunicação Social na PUC, na cidade de Arcos, no centro-oeste mineiro. Além de ser responsável pelo trabalho de organização dos trabalhos monográficos daquele curso, ser responsável pela disciplina que se chamada Introdução aos estudos da linguagem, no curso de Comunicação Social. Eu consegui desenvolver um projeto piloto com alunos doe Comunicação social, Jornalismo, Publicidade e Relações Publicas. Vale à pena mencionar que não eram alunos do curso de Letras, eram alunos de Comunicação Social. E eu motivei os alunos que saíssem, enquanto futuros profissionais da área, com uma câmera de vídeo e na sua grande maioria, saíram com um gravador, por sinal, nem era digital na época. Mas saíram a campo para fazer um levantamento de como era a fala regional no centro-oeste mineiro, especificamente, na cidade de Arcos. Como houve uma coleta de dados muito significativa, uma de coleta de corpus muito interessante, muito bem formatada, segundo as orientações, com todo o rigor que o CNPQ quer. De maneira que, esse corpus não tinha esse objetivo inicialmente. E aí, como um bom pesquisador (o feeling é necessário nessas horas), de maneira que ao ler as transcrições, ao ouvir as narrativas espontâneas que tinham sido gravadas pelos meus alunos, enquanto documentares, eu observei que eu tinha ali um material riquíssimo, que diria margem para muitas pesquisas. E aí, eu fui com uma lupa levantar quais eram a formas de tratamento, especificamente, as formas pronominais: você, ocê e cê, que estavam ali. Num total de 100 narrativas, 26 horas, eu consegui fazer um levantamento e catalogar, mais ou menos, umas 520 ocorrências do pronome “você” naquela região. A partir daí, esse projeto foi submetida a pró-reitoria de pós-graduação na PUC. Tive um apoio considerável, na época, o primeiro projeto de pesquisa no campus da PUC, em Arcos, desenvolvido pelo seu professor juntamente com seus alunos, considerando-se o projeto de Iniciação Cientifica. Esse projeto tem me rendido frutos, de maneira que, a partir desse projeto, eu fui morar na Europa, com uma bolsa da CAPES, por um ano e, desse “projetinho”, muito tímido, desenvolvido na cidade de Arcos, transformou-se no meu projeto de doutoramento, eu fui pra USP, desenvolvi - lá meu doutorado. E, atualmente, ele tem outras ramificações, uma delas que está diretamente ligado a um projeto maior, de nível nacional, um projeto de Organização do Atlas Linguístico do Brasil, com sede na UFBA. Eu sou um dos professores, representante deste projeto no estado de Minas Gerais. Só sobre o projeto, eu teria muito que dizer, mas vale a pena mencionar que eu tenho apresentado em congressos. E mais recentemente, foi fundado aqui no ICHS, um grupo de pesquisa em dialetologia e sociolingüística, e sou fundador e coordenador do grupo. Esse projeto ainda continua em andamento, considerando-se outra cidade. A partir de agora, nosso foco são as cidades: Ouro Preto e Mariana. O projeto está em outras instituições. Eu tenho monitores tanto na PUC, como também no Instituto Federal de Minas Gerais, em Ouro Preto.Os resultados,eu diria que ficaria para outros momentos,mais nas minhas publicações, tenho resultados parciais dessa pesquisa que venho desenvolvendo.


BoletimDeLetras: A norma culta é uma variedade lingüística privilegiada nos meios acadêmicos e formais da sociedade. Porém, as variedades coloquiais e populares são mais usadas no dia-a-dia. Você acha que o uso de uma dessas variações (culta, coloquial ou popular) em um momento inadequado, pode gerar preconceito linguístico? Comente isso pra gente e fale sobre a influência da mídia nessa questão.


Prof. Clézio: Pois bem, essa questão é muito interessante, sobretudo pra nós que somos profissionais da linguagem, mais especificamente estudantes e professores e pesquisadores aqui do curso de letras. Primeiro, vale a pena mencionar um grande colega e amigo o professor Marcos Bagno, atualmente professor responsável pela disciplina de sociolingüística na UNB. Ele tem uma vasta publicação sobre questões ligadas aos aspectos do preconceito lingüístico, a variedade lingüística, norma culta e etc. E, de certa forma, no nosso meio acadêmico é a pessoa mais oferece a cara a tapa em questões de reportagens, jornais e revistas que a mídia quase sempre busca. Porque infelizmente, a academia está muito centrada ao seu próprio umbigo, por mais que tente desenvolver trabalhos interessantes de extensão, por exemplo, ela não consegue atingir seus objetivos e a mídia faz isso num piscar de olhos e faz isso muito bem. No entanto, a grande maioria dos lingüistas e pesquisadores, ficam enfurnados em seus gabinetes fazendo pesquisas, sem se preocupar na realidade com aquilo que acontece no dia-a-dia na sociedade. De maneira que, há muito preconceito na sociedade o homem por natureza é um ser preconceituoso e eu vou me voltar aqui, exclusivamente, aos aspectos de preconceito lingüístico, mas poderia citar e discutir outros tipos de preconceito. Aliás, há no nosso instituto um grupo de pesquisa que eu sou o vice-coordenador que é o GECI, que é um grupo de estudos de linguagem, cultura e identidade que vem justamente discutir e fazer alguns estudos, proporcionar debates, uma instituição fecunda, tendo em vista o ponto acadêmico que leva em consideração também nessa questão de identidade e preconceito, de cultura envolvida na sociedade. Mas, voltando pra pergunta que é feita, primeiro, há muito preconceito na própria academia no que se refere ao uso da norma coloquial, quem dirá aquele informante da sociedade que não fez um curso de letras, não passou pelo curso de letras, etc, e nem sabe o que é essa tal de norma culta. Mas a gente sabe muito bem que, dependo da maneira de como você vai se expressar lá fora se considerando que você é um estudante do curso de letras, que você é um professor do curso de letras, há inúmeros comentários que são feitos, isso na língua falada, quem dirá na língua escrita. Nós sabemos muito bem, nós da área de letras, que dependendo do contexto em que estamos inseridos, vai caber sim a norma coloquial ou a norma culta. Agora é preciso ter um discernimento pra isso, não é pelo fato de eu ser um professor doutor, um professor pós - doutor, um professor titular e etc, etc. Que eu vou estar numa reunião no final de semana, no sábado com os meus amigos, que eu vou usar exclusivamente cem por cento a norma culta. Não cabe no meu convívio familiar, ou com meus pais, ou com a minha esposa, ou com meus filhos, usar a todo instante a todo momento a norma culta. É preciso que a gente saiba discernir isso muito bem, no entanto, a mídia, felizmente, ela tem desenvolvido um papel que eu considero interessante, não ideal, mas pelo menos interessante. A começar, por exemplo, pelo papel significativo ao que se refere ao último acordo ortográfico recentemente da língua portuguesa. Se não fosse a mídia, certamente esse acordo não teria colado. Tanto é que se observarem, alguns programas televisivos levam isso em consideração, quais são as gírias utilizadas, quais são as expressões regionais que são colocadas, dependendo da profissão exercida, por exemplo, de um personagem de determinada novela, são selecionados jargões e gírias específicas e isso significa que a mídia, querendo ou não, corrobora para de fato que a sociedade possa ter uma clarividência no que se refere a esses aspectos. No entanto, na academia é necessário sim, no ambiente de sala de aula, nos textos que são produzidos, nos trabalhos acadêmicos, nos trabalhos de conclusão de curso, quer seja monografia, dissertação ou tese de doutoramento é necessária que se leve em consideração todas as regras que são preconizadas pela MGB, pela gramática tradicional e que leve em consideração o uso da norma culta. Mas sem deixar obviamente de lado o valor que a língua falada tem e, sobretudo a variedade lingüística que leva em consideração a língua que é falada pelo povo, porque afinal de contas, nesse processo de variação, processo de mudança de uma língua, quem na verdade favorece para que a língua muda é aquela língua que é falada pelo povo,legitimamente povo, quase sempre não escolarizado.

BoletimDeLetras: O que você acha inadequado quando se trata da norma culta e das outras variantes da língua?

Prof. Clézio: É muito pequeno, levando se em consideração qual deve ser de fato, o papel verdadeiro do professor da língua materna. O que precisamos na verdade, é uma postura, uma mudança de formação, que infelizmente alguns colegas, sobretudo, recém saídos do curso de Letras, esquecem que é necessária uma formação constante. Alguns terminam o curso, entram em uma sala de aula, e acham que já estão “formados”, esquecendo da sua formação contínua. Então, estes aspectos que levam em consideração apenas a nomenclatura, certo ou errado, adequado ou inadequado, é muito insignificante, é muito pequeno, se for levar em consideração, qual a verdadeira mudança que deve acontecer na educação, desde quando se opta por trabalhar mais ou menos, e de que forma a gramática dentro de sala de aula, e, sobretudo do processo de produção de textos, que levam em consideração, tentar mostrar ao aluno nesse processo de construção do próprio texto, o que deve ser levado em consideração, adequado ou menos adequado, tendo em vista, o contexto em que o texto esta sendo produzido.



BoletimDeLetras: O que você pensa em saber que as variantes da língua tem linguística polêmica produzidas por um livro que chama UMA VIDA MELHOR?


Prof. Clézio: O papel do professor dentro da sala de aula é primordial. Deu para perceber que a sociedade ainda não está preparada para receber um livro que leve em consideração o que foi tratado na coletânea “Uma vida melhor”, no entanto, isso é possível perceber que a sociedade não está preparada. Está ai um desafio para nós professores e estudantes do curso de Letras, para poder fazer com que este quadro mude. Não é fácil ter tempo, mas o que a gente não pode deixar em vista a nossa vontade e o nosso empenho, é fazer com que isso mude, afinal de contas a língua precisa ser usada devidamente considerando seus aspectos de variação e, sobretudo as diversas modalidades de estágio pelos quais a língua passa, mas, sobretudo mostrar aos nossos alunos no período inicial de formação de que a língua não é pelo fato dela ser patrimônio nacional que ela seja imutável, afinal, nós falantes é que vamos direcionar para onde essa língua vai caminhar. A partir do momento que nós lidamos com a língua, com a linguagem, com o preconceito, vai ser muito difícil fazer com que a sociedade mude, sobretudo, a partir de um uso que o falante faz da língua, por exemplo.

È muito interessante observar que a historia de uma língua, por exemplo, no nosso caso da língua portuguesa está em direcionar outros aspectos sociais, o livro econômico etc. No entanto quando chegamos ao aspecto da cultura um as aspecto cultural a língua está ali presente, então seja, é possível transformar a sociedade sim, por meio da língua porque não, afinal de contas, é um dos aspectos culturais da nossa sociedade.



BoletimDeLetras: Sobre a linguagem nas escolas públicas do ensino fundamental e médio, como você acha que o tema deve ser desenvolvido para crescimento social,cultural e educacional do aluno?

Prof. Clézio:
Eu tenho aqui na minha frente três alunos do curso de Letras. Observem que, infelizmente, o processo tem sido contrario. Por exemplo, qual é o papel da gramática no ensino de língua materna hoje? Paradoxalmente, o processo tem sido inverso, cada vez mais estuda – se menos gramática nos cursos de Letras. Vocês vão observar isso a partir, por exemplo, da nossa organização curricular. A muito pouco de gramática. Conto z verdade! Nós deveríamos estar preparando os alunos para enfrentar uma sala de aula e lá, usar os ensinos no curso fundamental 1 e fundamental 2, lotado de gramática. Estuda-se muito gramática quando na verdade pouco interessaria a esses alunos. Aqui no curso de letras, afinal nos somos profissionais do estudo da língua, cabe a nós, na verdade, o estudo da oração subordinada com suas classificações, explicações,seja lá perspectiva gerativista, seja perspectiva do estruturalismo ou do funcionalismo. No entanto, desde as series inicias, já se estuda sintaxe tentando se fizer uma análise sintática na pior das possibilidades, faz o seu empréstimo voltado exclusivamente para uma repetição, uma classificação que muitas vezes não leva há nada. E em nosso ambiente acadêmico, mais especificamente no curso de Letras como se deveria enfatizar os aspectos gramaticais e, sobretudo para aqueles alunos que fazem os cursos de licenciatura, isso muitas vezes é deixado de lado. Estiou dizendo isso não só a partir do conhecimento do nosso curso aqui no ICHS/UFOP, mais, sobretudo, pela experiência que tenho enquanto avaliador do MEC no curso de Letras em todo Brasil. Cada vez mais se estuda menos gramática no curso de Letras e estuda-se cada vez mais gramática nas series iniciais: fundamental 1 e 2, quando se deveria ser, na verdade, o contrario. Agora, há pontos positivos que levam em consideração, por exemplo, o papel da lingüística aplicada, felizmente, tem sido cada vez melhor. Considerando-se,por exemplo aqueles professores que se formam há mais de 10 anos,ou seja,é possível que o aluno recém formado em Letras consiga levar para dentro da sala de aula o papel de tudo aquilo que ele viu e estudou nas disciplinas de estudos lingüísticos: sócio – lingüística, a pragmática,a fonética e analise do discurso, por exemplo, coisa que certamente os meus professores quando fizeram Letras e foram os meus professores lá no ensino fundamental nas series iniciais não viram, não fizeram ou pelo menos não viram da forma que nós estamos trabalhando, tendo a oportunidade de estudar.

Espero ter contribuído com alguma coisa no trabalho de vocês.


Entrevistas



Nesta edição, o Boletim DeLetras entrevistou a professora  Eliane Mourão. A professora possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989), mestrado em Estudos Lingüísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996) e doutorado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Atualmente é professora do Curso de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Lingüística, atuando principalmente nos seguintes domínios: língua portuguesa (gramática funcional), ensino de língua portuguesa, lingüística textual, lingüística/ teoria da literatura.

BoletimDeLetras: Com sua experiência na área de Letras, interesse no campo da Lingüística e da Gramática Funcional; quais foram suas motivações para escolher como temática de pesquisa o uso da vírgula e quais resultados esse projeto tem apresentado?

Prof ª Drª Eliane Mourão: De um modo geral minhas pesquisas têm como ponto de partida o ensino. Portanto o mesmo aconteceu com a vírgula, eu queria ensinar aos meus alunos como usá-la. E comecei consultando a gramática tradicional que é a fonte mais imediata de pesquisa que temos sobre o assunto. Constatando uma série de problemas nesta gramática eu me propus a fazer um estudo para que pudesse entender em quais circunstâncias usamos vírgula. E posteriormente estipular o que seria mais adequado para o ensino dela.

BoletimDeLetras: No livro “Conversa com Lingüistas” foi perguntado a alguns estudiosos sobre a exata definição do que é Língua, Linguagem e suas relações sociais. Sendo a senhora uma intelectual da área, como você definiria o que é Língua, Linguagem e suas respectivas relações com a sociedade?

Prof ª Drª Eliane Mourão: Meu Deus! (risos). Vou mencionar apenas aquilo que é mais amplamente definido como linguagem e língua.: Costumamos pensar a linguagem como universo mais amplo e complexo que o de língua; como algo que utilizamos em nossas interações sociais. Consequentemente nela estão envolvidos, além daquilo que definimos como gramática, uma série de outros elementos. Então na constituição da linguagem temos, também, circunstâncias de uso da língua formadas, por exemplo, por nossas intenções, pelo contexto social e outros elementos extralingüísticos. Estes elementos são excluídos do estudo da língua. Esta, dentro da lingüística – e não dentro da gramática tradicional – é compreendida, mais como a gramática no que se refere àquele conjunto de regularidades estritamente lingüísticas que fazem parte da linguagem.

BoletimDeLetras: O livro “Por uma vida melhor” distribuído pelo MEC e direcionado ao projeto EJA (Educação de Jovens e Adultos) causou enorme polêmica, com grande apelo midiático, ao considerar que alguns “erros” são aceitos no idioma. Qual seu posicionamento sobre essa questão?

Prof ª Drª Eliane Mourão: Pausa (risos). Eu assumo, conforme os lingüistas em geral, que não existe erro. O que existem são os nossos diversos usos nas nossas diversas circunstâncias. Então eu concordo quando o livro coloca que não há erro lingüístico. Creio também que os jornalistas se utilizaram disso, e têm utilizado de forma absurda, para deformar o que é a proposição inicial de quem trabalha na área de lingüística.

BoletimDeLetras: Sendo a mídia uma importante fonte de informação, e um meio próprio para linguagem, qual deve ser sua abordagem em relação à padronização da língua; deve valorizar os usos mais próximos da fala ou resguardar a norma culta?

Prof ª Drª Eliane Mourão: Quando falamos da mídia estamos falando de algo muito amplo, pois ela envolve rádio, televisão, jornal, etc. E temos uma série de veículos com propósitos diferentes. Usar a norma culta ou usar algo mais próximo da nossa fala cotidiana vai depender do tipo de mídia, vai depender do propósito, então mesmo nesse contexto eu acho que não da para gente estipular de uma vez por todas qual deve ser o uso.

BoletimDeLetras: Levando em conta o contexto da formação do português brasileiro e sendo a linguagem um objeto de estudo, quais foram as grandes mudanças na maneira de se analisar a língua e qual o grande desafio para sua melhor compreensão no Brasil?

Prof ª Drª Eliane Mourão: Em relação à lingüística creio que podemos falar de mudanças. Ao longo do tempo tivemos uma mudança estritamente importante que foi sair apenas do estudo que se limitava à fala. Então hoje, no plano lingüístico, não pensamos apenas nas unidades fonológicas, apenas nas unidades sintáticas, mas começamos a pensar na constituição do texto. Outro fator importante é não pensar que o texto faz sentido autonomamente. Saber que existe uma série de outros elementos, inclusive extralingüísticos, contribuem para compreensão dele. Sair dos estudos descontextualizados o estudo foi um grande avanço. Um grande desafio hoje é reconhecer que as várias áreas da lingüística estão associadas umas com as outras. Por exemplo: como a entonação ajuda a construir o sentido, como a sintaxe também ajuda a construí-lo. Pensar, enfim, na possibilidade de integração dos vários níveis de análise com outras coisas que não são exclusivamente lingüísticas, como intenção e contexto, é um grande desafio.

BoletimDeLetras: Como profissional que exerce um trabalho próximo às escolas da comunidade de Mariana (MG), acompanhando o desenvolvimento didático dos alunos que estão prestes a se formar, qual é a sua visão sobre a formação que os alunos têm dentro da universidade como futuros professores?

Prof ª. Drª. Eliane Mourão: (risos). Faz pouco tempo que estou aqui na universidade, são só três anos. Mas nesse pouco tempo eu já notei alguns progressos importantes na formação dos alunos para exercerem a profissão de professor. Posso tomar como exemplo o trabalho que os professores daqui têm feito nos estágios, que são concebidos de uma forma radicalmente diferente da que era logo que eu cheguei aqui. Nós temos professores que trabalham regularmente com os estágios, antes eles eram designados aos professores substitutos, era essa a situação. Creio que essas mudanças estão acontecendo, vejo os professores que trabalham mais com a educação promovendo eventos e uma série de boas medidas. Entretanto devemos ter mais claro nosso propósito de formação de professores, sobretudo nós da área de Letras, que trabalhamos dentro das licenciaturas. Presumo que às vezes não pensamos numa disciplina em função dessa formação, e por mais teórica que as disciplinas sejam – e elas em certos momentos devem ser teóricas mesmo- elas têm que ter em vista essa formação para o ensino, mas muitas vezes isso se perde.